Nos últimos anos, o setor do lítio em Portugal tem estado sob os holofotes como uma das grandes promessas para o desenvolvimento económico e a transição energética do país. Com vastos recursos de lítio, Portugal posiciona-se como um dos principais atores na Europa no fornecimento deste metal crítico para baterias e outros componentes tecnológicos. No entanto, recentemente, tem-se notado um crescente impacto da influência da China sobre o setor, causando preocupações sobre o futuro da indústria nacional de lítio.
A influência da China no mercado global de lítio
A China tem vindo a consolidar-se como a maior força global na indústria de lítio, controlando grande parte da cadeia de abastecimento, desde a extração até ao processamento e fabricação de baterias. Com políticas governamentais fortes e um mercado doméstico massivo de veículos elétricos, o país asiático rapidamente estabeleceu a sua supremacia. A procura por lítio e a agressividade nas aquisições de ativos internacionais criaram uma pressão significativa sobre outros países produtores, como Portugal.
Empresas chinesas têm realizado grandes investimentos em minas de lítio em todo o mundo, especialmente em regiões da América Latina e da Austrália, assegurando uma posição de domínio no mercado. Essa influência começa a fazer-se sentir em Portugal, onde o país asiático tem demonstrado interesse em adquirir licenças de exploração e assegurar fornecimentos de longo prazo.
Desafios para o setor português
Portugal, apesar de ser um dos países europeus com maiores reservas de lítio, ainda enfrenta desafios significativos no que toca à exploração e processamento deste recurso. Um dos problemas mais prementes é a falta de capacidade industrial interna para refinar o lítio extraído, o que obriga o país a exportar o minério em bruto para ser processado no estrangeiro, muitas vezes na China.
A influência chinesa agrava-se pelo facto de que grande parte do lítio extraído em Portugal poderá ser exportado diretamente para a China ou para empresas estrangeiras controladas por chineses, sem que o valor acrescentado da cadeia de produção seja retido em território nacional. Isto levanta questões sobre a soberania energética e a capacidade de Portugal em controlar os seus recursos estratégicos.
“Estamos a assistir a uma dependência cada vez maior das empresas chinesas, tanto na exploração como no processamento do lítio, o que pode colocar em risco os nossos interesses estratégicos de longo prazo”, afirmou um especialista da indústria que preferiu não ser identificado. “A falta de infraestruturas adequadas em Portugal para processar o lítio localmente dá margem para que potências externas, nomeadamente a China, dominem o mercado.”
Impacto nas comunidades locais e preocupações ambientais
Outro ponto de debate é o impacto das operações de mineração nas comunidades locais. Em várias regiões de Portugal, como Trás-os-Montes e Beiras, onde estão localizados os principais depósitos de lítio, têm surgido fortes movimentos de resistência por parte das populações locais, preocupadas com as consequências ambientais e sociais das operações de mineração.
A chegada de empresas estrangeiras, algumas das quais com laços estreitos com a China, não tem ajudado a mitigar essas preocupações. Pelo contrário, muitas comunidades temem que os interesses nacionais sejam relegados a segundo plano em favor de corporações internacionais, sem garantias de benefícios locais ou proteção adequada do meio ambiente.
“Queremos um desenvolvimento sustentável, que proteja o ambiente e traga benefícios às populações locais. O que vemos é uma corrida pelo lítio, onde empresas estrangeiras querem levar tudo, deixando-nos com os impactos ambientais”, afirmou um ativista local.
O futuro do lítio em Portugal
Embora o governo português tenha declarado a sua intenção de desenvolver o setor do lítio como parte de uma estratégia mais ampla para a transição energética e a descarbonização, a influência da China representa um desafio significativo. A questão que se coloca é se Portugal conseguirá desenvolver uma cadeia de valor doméstica para o lítio ou se permanecerá dependente das potências estrangeiras para o processamento e distribuição deste recurso estratégico.
O governo anunciou, em várias ocasiões, planos para construir uma unidade de processamento de lítio em Portugal, o que permitiria ao país reter mais valor do seu recurso natural. No entanto, os avanços têm sido lentos, e os obstáculos, tanto burocráticos como financeiros, continuam a ser grandes.
Além disso, a União Europeia tem vindo a pressionar os seus Estados-membros para aumentar a sua autossuficiência em materiais críticos, como o lítio, no âmbito de uma estratégia para reduzir a dependência da China e de outros fornecedores estrangeiros. Contudo, sem uma ação coordenada e mais investimentos, Portugal poderá perder esta oportunidade estratégica.
Conclusão
O setor do lítio em Portugal enfrenta um dilema: como tirar proveito dos seus vastos recursos naturais enquanto enfrenta uma crescente pressão de potências estrangeiras, especialmente da China, que tem demonstrado um apetite insaciável por este metal essencial para o futuro das energias renováveis e da mobilidade elétrica. A criação de uma cadeia de valor nacional, capaz de processar e agregar valor ao lítio extraído em solo português, é um dos grandes desafios que o país enfrenta.
Se Portugal quiser manter o controlo sobre o seu setor de lítio e assegurar que este recurso traga benefícios a longo prazo para a economia e para as comunidades locais, será necessário agir rapidamente, investindo em infraestruturas, protegendo o meio ambiente e evitando que o domínio estrangeiro, nomeadamente da China, se apodere de um dos ativos mais valiosos do país.